quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Cantiga para uma amiga há muito distante.



Certa tarde já no fim do expediente, minha amiga entregou-me em texto manuscrito a maravilhosa canção “Até Pensei” de Chico Buarque de Holanda. Lindíssima letra falando da existência de um bosque cercado por um muro muito alto que impedia o idílio entre um rapaz apaixonado e a moça que lá dentro habitava. Entendi tal oferta como provocação. 
Sem pensar duas vezes dedilhei meu teclado rapidamente; repliquei-lhe com uma poesiazinha seguindo um pouco a linha da letra da canção e outro tanto da cantiga de roda “Se esta rua fosse minha”,  já que ambas falam de bosque, coração roubado, ainda que em analogia na letra de Chico.
Faz um bom tempo. Nunca recebi resposta nem mais provocações. Entretanto, acho-a tão bonita que guardo comigo até hoje. E por estar minha amiga longe de rever minhas ações e suspeitar que a poesia que escrevi ainda me arranha o coração, publico-a do jeitinho que foi composta, incluindo os erros.
Onde está escrito em azul é para ser cantada. Em preto deve ser declamada com profundo sentimento.

Cantiga Para Uma Doce Amiga  (há muito distante)
“ Nesta rua, nesta rua tem um bosque
Que se chama, que se chama solidão...” 

Eram meninas e cantavam em tom profano
rodando em círculos de risos e aflição

desejando ter, quem sabe, um anjo humano
que viesse lhes roubar o coração.

Eu , plateia, inocente quanto bobo
dominado pelos braços da ilusão
apressei-me em ser o anjo e fiz-me lobo
Que matou para sempre uma canção.

Desde então me tranquei feito bandido
não querendo ser a dor de mais ninguém
mas, amor ao florescer doma incontido:
D'outra roda, mesmo bosque, fui refém.

Me doei inteiro, tanto, enternecido,
planejei felicidades bosque além,
paraíso de canções entretecido
(Nesta hora o destino intervém);  
vi-me em pranto, de joelhos, combalido:
era amor desses que a gente não tem. 

O meu tempo foi passando tão sem graça,
mansamente, sinto que anoiteci.
O velho bosque cobrem nuvens de fumaça,
das cantigas, das rodas não me esqueci.

Mas, fechei meu coração - que sou seu dono -
cerca e muros em redor igual clausura.
Em meu leito, no interior, em vez do sono,
em vez do amor: canções, sonhos, aventuras.
Eu, de tolo, nem sentia que abandono
rouba a vida, tira o chão, leva às funduras.

“Se eu roubei, se eu roubei teu coração                
tu roubaste, tu roubaste o meu também...”

Novo canto, volta o peito a palpitar:
Sem saberes na canção faz-te rainha.
Eu, de tolo, temo tanto despertar
tendo amado pensando que foste minha.

"Se esta vida, se esta vida fosse minha
Eu mandava, eu mandava apagar..."


Gilberto Leite

Nenhum comentário:

Postar um comentário