Pouco antes da meia-noite os fogos já espocavam por todos os lados.
Nas ruas gritos e cantigas e algazarras. O mundo todo parecia em festa como se não houvesse violência nem dor nem fome nem injustiças em lugar algum.
Dentro de casa, enquanto o velho televisor mostrava as comemorações pela virada do ano nas principais cidades do Planeta, todos nós, atentos à passagem dos últimos minutos a nos separar do novo ano, íamos sendo tomados por uma comoção incomum, um estado de quase felicidade e de esperanças somente sentidos em ocasiões como aquela.
Despistei. Saí sem dar a perceber. Fui ao jardim de casa onde não havia ninguém comemorando nada. De lá era possível avistar estrelas pairadas sobre a humanidade
Eu era muito jovem. Meu coração pulsava com maior vigor do que esse com que está pulsando agora. Meu cérebro, ao contrário, mais cauteloso que o coração convidou-me a refletir para além do que o peito ansiava.
Olhei para o meu interior e não vi luzes, nem fogos de artifícios, nem esperanças:
No dia seguinte minha avó continuaria velha, arqueada e cozinhando e lavando nossas roupas apesar de sofrer de dor crônica na coluna; minha mãe trabalharia fora, da madrugada à noite, longe, muito longe, controlando pedais e agulhas de máquinas de costura industrias; meus irmãos continuariam inocentes até crescerem e quando crescessem possivelmente ficariam céticos igual a mim; meu pai não voltaria nunca mais do mundo das almas invisíveis; minha doença não se curaria; meu tio mais velho não se livraria do câncer; os mendigos não enriqueceriam; os desvalidos não se consolariam; os cães sarnentos continuariam vadios nas ruas; as religiões não deixariam de oferecer salvação e vida eterna em troca de bens terrenos; as goteiras na varanda e na cozinha permaneceriam nos dias chuvosos; o dinheiro não sobraria para comprar roupas novas, calçados bonitos, doces, boneca, carrinhos...
Nas ruas gritos e cantigas e algazarras. O mundo todo parecia em festa como se não houvesse violência nem dor nem fome nem injustiças em lugar algum.
Dentro de casa, enquanto o velho televisor mostrava as comemorações pela virada do ano nas principais cidades do Planeta, todos nós, atentos à passagem dos últimos minutos a nos separar do novo ano, íamos sendo tomados por uma comoção incomum, um estado de quase felicidade e de esperanças somente sentidos em ocasiões como aquela.
Despistei. Saí sem dar a perceber. Fui ao jardim de casa onde não havia ninguém comemorando nada. De lá era possível avistar estrelas pairadas sobre a humanidade
Eu era muito jovem. Meu coração pulsava com maior vigor do que esse com que está pulsando agora. Meu cérebro, ao contrário, mais cauteloso que o coração convidou-me a refletir para além do que o peito ansiava.
Olhei para o meu interior e não vi luzes, nem fogos de artifícios, nem esperanças:
No dia seguinte minha avó continuaria velha, arqueada e cozinhando e lavando nossas roupas apesar de sofrer de dor crônica na coluna; minha mãe trabalharia fora, da madrugada à noite, longe, muito longe, controlando pedais e agulhas de máquinas de costura industrias; meus irmãos continuariam inocentes até crescerem e quando crescessem possivelmente ficariam céticos igual a mim; meu pai não voltaria nunca mais do mundo das almas invisíveis; minha doença não se curaria; meu tio mais velho não se livraria do câncer; os mendigos não enriqueceriam; os desvalidos não se consolariam; os cães sarnentos continuariam vadios nas ruas; as religiões não deixariam de oferecer salvação e vida eterna em troca de bens terrenos; as goteiras na varanda e na cozinha permaneceriam nos dias chuvosos; o dinheiro não sobraria para comprar roupas novas, calçados bonitos, doces, boneca, carrinhos...
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